Casa invadida: como a Comunicação do Senado viveu e contou o 8 de janeiro
Jefferson Rudy é fotojornalista há 37 anos. Cobriu a promulgação da Constituição em 1988 e todas as atribulações da Nova República. Mesmo assim, não estava preparado para o que viu no dia 8 de janeiro, quando chegou ao seu local de trabalho no início da noite.
— Foi uma sensação horrível. Parecia que eu estava entrando num campo de batalha — recorda.
Jefferson é fotojornalista da Agência Senado, um dos braços da Secretaria de Comunicação Social do Senado Federal (Secom), e foi o primeiro profissional de imprensa a entrar no Congresso Nacional depois dos atos golpistas do dia 8. Ele chegou logo depois que o prédio foi desocupado pela Força Nacional de Segurança e pela Polícia Militar. Pôde ver em primeira mão todas as marcas da depredação, pisar nos salões alagados, sentir nos olhos a ardência do spray de pimenta que contaminava o ar.
Os equipamentos fotográficos da Agência Senado ficaram a salvo por pouco. Eles são guardados em uma sala do tipo “aquário” no final do Salão Azul, a área nobre do Senado. Foi ali o limite do avanço dos invasores, mas eles não entraram no recinto. Jefferson pôde recuperar uma câmera e registrar a destruição ainda fresca.
Até ali o país só conhecia os eventos do dia pelos olhos dos vândalos, que filmaram suas ações em tempo real. As imagens de Jefferson, as primeiras com um olhar independente, seriam distribuídas para veículos de todo o país e logo chegariam ao mundo inteiro.
A Secom teve uma tarefa crucial no dia 8 e nos dias que se seguiram. Os veículos institucionais — agência de notícias, rádio e TV — são os olhos da sociedade dentro do Senado. Com sua posição privilegiada, precisavam ser a referência para todas as informações precisas sobre a segurança da Casa naquele momento de incerteza.
Para os profissionais como Jefferson, esse papel já é uma segunda natureza. Ao saber dos acontecimentos ainda na tarde do domingo, ele quis entrar em ação.
— Minha veia de repórter bateu muito forte. Fiquei inquieto dentro de casa. A vontade era não deixar passar tudo isso em branco. Fui conversando com meu chefe [Leonardo Sá, coordenador de fotografia da Agência] e assim que ele conseguiu autorizar meu nome para a segurança, eu vim.
Muitos funcionários da Secom, inclusive de chefia, estavam de férias, aproveitando o mês de recesso parlamentar. O trabalho de reação da secretaria estava nas mãos de Luciana Rodrigues, coordenadora-geral, que substituía a diretora Érica Ceolin. Foi dela a responsabilidade de fazer o primeiro contato com a Secretaria de Polícia Legislativa (SPOL), logo que a invasão começou.
— Depois de algumas tentativas consegui falar com o Gilvan [Xavier, coordenador-geral da SPOL]. Pelo telefone, dava para ouvir o barulho do confronto da polícia com os invasores, os sons de tudo que estava acontecendo. Ele falou para não trazer ninguém e que a situação era grave, que não poderia falar mais. Era uma situação de muita tensão e medo.
Os jornalistas, porém, tinham urgência. Glauciene Lara é coordenadora-geral da TV Senado e, no dia 8, estava no comando da emissora (o diretor, Érico da Silveira, também estava de férias). Assim que teve notícia da invasão, seu reflexo imediato era de que precisava de imagens. Também tinha preocupações de ordem gerencial. Um funcionário estava de plantão no dia, operando o controle mestre, que mantém a TV no ar. Foi preciso providenciar que ele saísse em segurança, ainda nos momentos iniciais do ataque. As dependências da TV ficam num anexo do prédio principal, e no subsolo, então o funcionário não correu perigo.
Luciana e Glauciene passaram a tarde articulando o melhor momento para ir ao prédio. Enquanto isso, acompanhavam a situação à distância como fosse possível. A TV Senado mantém câmeras em todos os principais ambientes do Senado, alimentando feeds de imagens que funcionam 24 horas por dia, num circuito interno ao qual os funcionários da Secom têm acesso. Através dela foi possível seguir os passos dos invasores e, inclusive, passar informações para a polícia legislativa.
O conteúdo era produzido e veiculado principalmente pelas redes sociais dos veículos, que tiveram um pico de atividade a partir do dia 8 (veja os números no final do texto). Isso até a noite, quando foi possível destacar uma equipe da TV para ir ao Senado e produzir as primeiras imagens cinematográficas da cena do crime.
Glauciene entrou no prédio por volta das 20h e logo gravou uma pequena reportagem no “túnel do tempo”, que liga o Salão Azul ao anexo onde funcionam comissões e muitos gabinetes de senadores. A boca do túnel serviu de moldura para a desolação espalhada pelo salão.
— O que eu via era só parte do estrago, mas havia muitos danos. Vidraças quebradas, sujeira, móveis espalhados, portas de armários que a gente nem sabia de onde vinham. Tive um sentimento ruim. Parecia que minha própria casa tinha sido invadida.
O desgosto experimentado ao testemunhar o dia 8 era típico de quem se identifica com a instituição e com a sua missão pública de informar. Luciana relata que usou a sensação para renovar o seu compromisso com o jornalismo institucional ligado ao Poder Legislativo.
— Nunca imaginei que eu fosse me deparar com uma cena tão violenta quanto aquela. Do ponto de vista simbólico, era o povo contra sua própria casa. Foi uma experiência muito marcante e triste, mas que nos motiva a mantermos o trabalho de informar ao cidadão a importância que tem a representatividade parlamentar. Nosso propósito é que o cidadão se sinta identificado com aqueles que o representam.
Da mesma forma, Glauciene afirma entender que os veículos da Secom são o portal de acesso mais importante à vida do Senado. Mesmo quando não há deliberações e debates legislativos — caso do 8 de janeiro — a sociedade conta com as canetas, lentes e microfones do veículo público para medir o pulso da instituição.
— Quanto mais cedo a comunicação chegar nessas horas de crise, melhor, porque as pessoas procuram a mídia institucional para saber o que a instituição está falando nesse momento. A decisão de colocar a informação da forma mais ágil no ar foi acertada porque as pessoas procuraram a TV Senado para saber como o Senado estava, o que ia acontecer depois. Nós fomos referência para o cidadão.
A TV Senado precisou esperar a noite para produzir seu conteúdo principal, mas durante todo o dia 8 a Agência Senado e a Rádio Senado já funcionavam a todo vapor, colocando no ar matérias e áudios com repercussões dos eventos por parte dos senadores. E o ritmo não parou. Celso Cavalcanti, diretor da Rádio, lembra de outra expectativa sobre os ombros da Secom neste momento: alimentar veículos de todo o Brasil.
— Nossa reportagem acompanhou toda a evolução do caso e nossos principais programas foram dedicados quase que integralmente a esse triste episódio. Todo o material produzido foi distribuído às mais de 4,5 mil emissoras parceiras da Radioagência. Esse foi um momento marcante para a história do Brasil e levamos informação precisa e objetiva aos cidadãos de todos os cantos do nosso país.
Ainda no domingo, a Rádio divulgou as primeiras reportagens sobre o ataque, relatando os estragos do vandalismo, as medidas de contenção e punição aos invasores e a reação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e de outros senadores. Nos dias seguintes, foram publicados vários conteúdos sobre o tema, incluindo transmissões ao vivo de entrevistas coletivas e outros eventos.
Na semana que sucedeu o dia 8, o trabalho da Secom foi, naturalmente, centrado nos desdobramentos da invasão, como a avaliação dos danos, a restauração dos ambientes, a identificação e punição aos culpados e o diálogo institucional entre os poderes para levantar o país do clima de ameaça golpista. Entre o dia 8 e o dia 15:
- A Agência publicou 72 reportagens sobre o tema no Portal Senado Notícias
- Na Rádio, foram 41 conteúdos publicados no site do veículo
- A TV fez 280 publicações em todas as suas redes sociais
O acervo fotográfico da Agência teve quase 190 mil acessos em 3 dias, contra uma média diária de 30 mil em períodos de atividade legislativa regular.
Além dos veículos, a assessoria de imprensa do Senado (vinculada à Secom) também se mobilizou para atender às demandas de todos os jornalistas que a procuravam para informações oficiais. Foram 66 pedidos atendidos apenas nos dias 8 e 9, e quase 9 mil acessos ao portal.
Paola Lima, diretora da Agência Senado, destaca que a dedicação a manter o tema em pauta não se resumiu à necessidade natural de cobrir o assunto quente do momento. Teve a ver também com a determinação de retratar a instituição como mais viva do que nunca. A Secom é, afinal de contas, a vitrine do Senado, e olhando através dela o cidadão viu um Senado em reconstrução, e não prostrado diante dos acontecimentos.
— Todos estão empenhados em fazer o Senado voltar a ser o Senado. A importância que a comunicação tem é mostrar que esse tipo de coisa não nos atinge de verdade. É um obstáculo, mas não um impedimento. Nós vamos continuar, não importa o que aconteça. O Senado vai continuar legislando e nós vamos continuar noticiando.
Passadas quase três semanas da invasão, a diretora da Secom, Érica Ceolin, faz uma reflexão sobre o espírito de revolta que levou aos atos golpistas do dia 8. Para ela, um fator motivador foram as fontes de “desinformação” que alimentam os participantes do vandalismo. Por isso, Érica aponta a informação de qualidade e a comunicação pública como essenciais para fortalecer a sociedade e a democracia.
Depois do choque inicial, um alento que foi possível identificar, segundo ela, foi a movimentação cidadã por informações sobre os próximos passos descoladas do debate político: como estava o Senado, como estavam os servidores, que ações estavam sendo tomadas. Isso levou o público, naturalmente, ao trabalho da Secom.
— Somos uma fonte isenta, procurada e reconhecida por todos os veículos. Vimos um anseio das pessoas por informações verdadeiras e por conscientização. Elas nos procuraram porque queriam a verdade.
Érica destaca que uma boa comunicação institucional não visa despolitizar a sociedade. Pelo contrário: quando os veículos institucionais fazem o seu trabalho com responsabilidade e seriedade, o debate público se eleva.
— As pessoas podem e devem ter opiniões políticas diferentes, é o que alimenta a democracia. Mas isso precisa ser exercido com diálogo, sem violência.
Fonte: Agência Senado/ Reportagem: Guilherme Oliveira
Fotos: Jefferson Rudy/Agência Senado/ Pedro França/Agência Senado/ Fernando Pires/Senado Federal/Roque de Sá/Agência Senado/Marcelo Camargo/Agência Brasil/ Reprodução/TV Senado/ Rodrigo Viana/SECOM