“Nenhuma Catástrofe parece acordar o mundo”

“Frente a inexplicável e injustificável brutalidade e destruição de Gaza, da Palestina continuamos como que adormecidos, quase inativos aceitando a tragédia como um destino, o terror como prática de dominação, o ódio como combustível de conquista e de sobrevivência. Que fazer? Talvez pensar e acreditar que cada uma/um de nós é deus e como deuses podemos tornar novas algumas coisas, como deuses podemos modificar o curso dos acontecimentos, podemos plantar uma árvore, enxugar uma lágrima, denunciar a violência múltipla que nos assola. Deus em nós, deus em múltipla ação amorosa em nós!”, escreve  Ivone Gebara, religiosa pertencente à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora, filósofa e teóloga, que lecionou durante quase 17 anos no Instituto Teológico do Recife – ITER.

Artigo de Ivone Gebara

Assistimos hoje mais uma vez a catástrofe (nakba) da morte de milhares e milhares de palestinas e palestinos quase em silêncio, assim como assistimos às muitas tragédias assassinas que cobrem de sangue o nosso mundo. O mais grave é que sabemos da barbárie praticada visto que os meios de comunicação nos instruem quase no momento mesmo dos bombardeios e das muitas mortes. O efeito dessas notícias não é o de protestos e ações imediatas, mas de uma espécie de ‘voyerismo’ que nos assola e quase nos deixa apenas a sensação de sermos informados das tragédias. Parece que essas notícias nos entorpecem e nos contentamos em saber delas como se o nosso interesse fosse o de estar superficialmente informados dos acontecimentos de última hora do mundo e seguir a vida adiante.

Parece que não há mais lugar para o cessar fogo interior, fogo da dominação e do ódio que habita nossas entranhas. Este segue sua incontrolável fúria que ordena simplesmente matar porque se está interessado em ocupar espaços de outras vidas como se os ocupantes devessem apenas se calar e não reagir à morte programada. Esse fogo devastador da dominação espalha-se por todos os âmbitos da vida dos seres vivos justificando a destruição, a ocupação e a morte motivada pela ganância afirmada como necessidade de progresso.

Destruicao em Gaza  Foto: Anadolu Agency
Destruicao em Gaza  Foto: Anadolu Agency

Bombas poderosas exterminam pessoas, matam seus campos, seus animais, suas expressões artísticas, suas crenças e seus frágeis sonhos. Bombas e armas fulminantes não pensam, apenas são teleguiadas por seres pensantes que perderam o sentido e o valor da vida. Fazem dela um jogo para proclamar vencedores e vencidos. Regozijam-se quando matam acreditando estarem fazendo o bem para si e para seus mandantes. Vivem o ódio à vida travestido de direito, de pseudoproteção, de falsa justiça e de discursos sobre o amor divino ou o divino amor. Como aparentes vencedores inebriam-se com suas palavras bonitas, porém vazias de compaixão e ternura. Oferecem um futuro radioso para minorias enquanto destroem impiedosamente o presente da maiorias.

Estou farta, assustada e espantosamente atordoada por nossa impotência em parar a guerra na Palestina e em outros lugares. Hoje me atenho a Palestina, em especial à Faixa de Gaza. Minhas entranhas árabes convocam minha palavra e minhas lágrimas me tornam mais uma voz que continua a gritar pelo deserto: Cuidem da vida, Cuidem da vida! Endireitem o caminho do direito e da justiça!

Fonte: www.ihu.unisinos.br

Foto: Anadolu Agency

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